Foco e Escopo
Vivemos uma época em que o velho morreu e o novo ainda não pôde nascer, afogado pelas vísceras e sangue coagulado das antigas – mas sempre ressuscitáveis, como os zumbis – estruturas de poder e de subjetivação. Estas impedem, com insistência e violência inaudita, o surgimento do novo, de uma comunidade qualquer, de uma vida da potência e do comum. Assim, a (Des)troços: revista de pensamento radical, ISSN 2763-518X, propõe escovar a tradição filosófica a contrapelo, fazendo emergir correntes subterrâneas ou marginais do pensamento com o objetivo de promover uma crítica radical e não disciplinar dos discursos filosóficos que moldaram e moldam a construção do Direito e do Estado no Ocidente. Esses discursos, embasados em visões autoritárias do político, ocultam estruturas e dispositivos de dominação, tais como gênero, classe, raça e sexualidade, os quais acabam por normalizar a exceção e legitimar a violência do poder político-jurídico. A linha editorial da revista busca abrir espaço no cenário acadêmico levantando barricadas e cultivando resistências, buscando uma forma-de-vida que seja capaz de enfrentar as teorias tradicionais do Estado e do Direito. Trata-se de colocar sob o escrutínio de uma crítica filosófica de raiz os próprios fundamentos da contemporaneidade, bem como os destroços que as formas hodiernas do político e do jurídico promovem ou que, ao menos, são incapazes de conter. A filosofia radical que surge desse esforço se assume enquanto pensamento do tempo-de-agora e de suas potências, pretendendo superar a díade “realidade e idealidade”, apontando assim para um horizonte de sentido aberto que, como campo experiencial de utopias, extrai sua vitalidade não apenas do concreto, mas da dignidade ontológica da potência, ao mesmo tempo em que se materializa, sem se esgotar, nas diversas práticas de reconstrução social que têm lugar em dimensões do presente invisibilizadas pelo discurso oficial. Ao possibilitar um pensamento descomprometido com os dualismos que recortam o corpo da experiência humana nas antípodas do ser e do não-ser, do sujeito e do objeto, do senhor e do escravo, entre muitas outras, a filosofia radical propõe-se enquanto experimentum do pensar capaz de instaurar não apenas uma nova cognição do mundo centrada na periferia, na fratura, no fluxo, na indeterminação e na descontinuidade, correspondendo também ao processo que, passeando incessantemente entre os seres viventes, lhes revela possibilidades políticas de convívio an-árquicas. Dessa forma, convidamos pesquisadoras, professoras, alunas, ativistas e movimentos sociais a contribuir com a revista e fazer dos seus (des)troços novas barricadas para o pensamento radical.
Focus and Scope
We live in a time when the old died and the new could not yet be born, drowned by the entrails and clotted blood of the old – but always possible to be resurrected, like zombies – structures of power and subjectivity. These structures prevent, with unprecedented insistence and violence, the emergence of the new, of a whatever community, of a life in potency and in common. Thus, (Des)troços*: journal of radical thought, ISSN 2763-518X, proposes to brush the philosophical tradition against the grain, emerging underground or marginal thoughts with the aim of promoting radical and non-disciplinary criticism of the philosophical discourses that have forged and still mold the construction of law and of the state in the West. These discourses, based on authoritarian views of politics, conceal structures and apparatus of domination, such as gender, class, race, and sexuality, ending up normalizing the exception and legitimizing the violence of the political and legal power. The editorial line of the journal intends to open arena in the academic scene by raising barricades and cultivating resistance, seeking a form-of-life that is capable of facing the traditional theories of the state and the law. We aim to place under the scrutiny of a radical philosophical criticism the very foundations of contemporaneity, as well as the wreckages that current political and legal forms promote or at least are unable to contain. The radical philosophy that emerges from this effort is assumed as a here-and-now thought and its potencies. It intends to surpass the dyad “reality and ideality”, pointing to an opened understanding that, as an experimental field of utopias, extracts its vitality not only from the concrete, but from the ontological dignity of the potency. At the same time, it materializes itself, without being exhausted, in various practices of social reconstruction taken place in dimensions of the present which have been made invisible by the official discourse. By enabling uncompromised thinking with the dualisms that chop human body experience into the antipodes being and non-being, subject and object, master and slave, among many others, radical philosophy proposes itself as an experimentum of thought capable of establishing not only a new world knoledge centered on the periphery, on the fracture, on the flow, on the indeterminacy and on the discontinuity, but also corresponding to the process that, walking incessantly among living beings, reveals to them political possibilities for an-archic coexistence. We, therefore, invite researchers, teachers, students, activists and social movements to contribute to the journal and make its (Des)troços new barricades for the radical thought.
*The Portuguese word “Destroços” can be translated to English as ruins, havoc, in a reference to one of Guy Debord’s beautifully tragic statements in “Panegyric”. Inspired by a situationist game, we decomposed the word in two: “des”, a prefix that means a contrary action, and “troços”, a word that means a piece of something. Since there is no correspondence in English, we opted to maintain these words in Portuguese. “Troços” will refer to papers, reviews, commentaries and other contributions submitted by the authors and “(Des)troços” will refer to these papers, reviews, commentaries and other contributions after the careful review of our pickers.